- Alice acorda ! - gritou dona Joana da porta do quarto da neta
- Ah, me deixa em paz.
- Você não vai pra escola de novo menina ?
- Não tô afim... - virou para o lado e nem teve tempo de fechar os olhos antes de ter as cobertas arrancadas. - Porra ! Me deixa em paz !
- Você não vai faltar de novo, vamos, levanta logo !
Alice levantou, o sono já havia sumido, mas estava irritada, muito aliás. Vestiu uma camiseta que estava jogada perto da cama, colocou as calças as meias brancas, calçou os tênis surrado e sequer arrumou o cabelo. Foi para a cozinha tomou um copo de leite e comeu um pão fresco. Dona Joana sempre buscava pão na padaria da esquina, "quatro pãezinhos bem branquinhos" - pedia sempre a atendente. Jojô, como o falecido marido a chamava, era uma mulher doce, porém as rugas e a amargura tomaram conta dela depois da morte de seu Eugênio, que alias era um homem muito bom, deu o melhor que pode para a mulher e a filha, trabalho duro, derramou muito suor, sempre levou uma vida saudável caminhava todos os finais de tarde, e morreu coitado atropelado por um carro enquanto corria na avenida.
Enquanto comia o pão começou a tossir.
- Está doente ?
- Não, estou bem. - realmente não estava gripada, nem resfriada, a tosse que não parava era decorrente dos dois maços de cigarro diários que ela estava fumando. Fumava desde os onze anos de idade, começou por mera brincadeira. Uma vez mexia na bolsa da mãe que estava jogada em cima da cama, encontrou uma carteira de cigarros, não sabia nem como acende-lo, mas o acendeu como que por instinto, o gosto que lhe veio a boca parecia um daqueles remédios ruins que vovó lhe dava quando estava resfriada. Mamãe nunca lhe deu nada, nem carinho, nem atenção, muito menos remédios. Sequer sabia quando ela estava doente. Depois daquela vez que fumou, sem tragar, outras vezes repetiu isso. Foi pegando gosto pela coisa. Aqueles momentos em que colocava o cigarro na boca era como se sentir parte da vida da mãe, se sentia perto dela. Foi aprender a fumar com treze anos, quando uma garota do colegial a vendo apenas soltar fumaça a ensinou o que realmente deveria fazer. Depois disso nunca mais parou de fumar. Sua avó não sabia desse vicio que ela escondia, até porque para a vó já era demais saber a opção sexual da neta.
Amava a vó, era a única que tinha, além de Ketelyn.
Ketelyn era sua namorada, estavam juntas há quase dois anos. O começo foi muito conturbado, principalmente quando dona Joana descobriu. As duas estavam trocando caricias no quarto quando a vó de Alice entrou sem aviso prévio. Imaginem uma senhora de sessenta anos, totalmente tradicional e reservada ver uma cena destas... Proibiu, sem sucesso, a neta de ver a garota. Mas com o tempo, a poeira foi abaixando e ninguém tocou no assunto. Jojô via os presentes, as fotos e tudo mais, mas agia como se as duas fossem apenas amigas.
Alice pegou a mochila se despediu da avó e saiu. Na esquina de casa acendeu um cigarro.
- Até mais tarde pai. - disse Victor descendo do carro. Ia caminhando pelo pátio quando esbarrou em uma garota de cabelos vermelhos todo bagunçado. - Me desculpe.
- Relaxa, não foi nada.
Era uma garota bonita, apenas muito desleixada, não gostava de garotas assim. Perto do seu bebedouro encontrou com Renato.
Renato era um cara magrelo, sem grandes atrativos, covarde, tímido, e por ser assim sofria varias chateações dos colegas. Victor não zombava dele, mas tirava vantagem da situação sempre que precisava tirar nota em algum trabalho, não que Renato fosse genial, mas era bom ter alguém para fazer os trabalhos por ele.
- Renato, e ai cara ?
- Ah, oi.
- Você fez aquele trabalho que te pedi ?
- Sim, está aqui.
- Valeu.
Victor pegou o trabalho e já ia saindo quando foi chamado de volta.
- Viu, sabe aquela garota que você estava conversando ontem na educação física ?
- Sim, o que tem ?
- Ela tem namorado ?
- Tá querendo sair com ela ? Ah, moleque, sabia que você não era tão zé ruela assim, vou te passar o telefone dela, manda umas mensagens, troca uma ideia, essas coisas.
Renato anotou o telefone num canto de uma folha no caderno. Estava confuso, já tinha saído com algumas garotas, mas aquela parecia ser diferente. Com certeza era bem mais experiente do que ele. Será que seria uma boa ideia arriscar ?
Foi para casa chutando as pedras que encontrava no caminho.
Assinar:
Postar comentários (Atom)

Nenhum comentário:
Postar um comentário